terça-feira, 30 de novembro de 2010

EFICÁCIA E DIREITOS

O Fórum de Alto Nível para a Eficácia da Ajuda, que teve lugar em Paris em 2005, lançou um novo debate sobre as condições que geram impactos significativos e duradouros no Desenvolvimento. Porém, a Declaração de Paris viria a ser alvo de críticas pelas Organizações da Sociedade Civil (OSC), defendendo que as instituições e países doadores reduzem a agenda de Paris a um mero processo técnico para a gestão e canalização da Ajuda ao Desenvolvimento. Três anos depois, em Setembro de 2008, a Agenda para a Acção de Acra (AAA) veio reforçar a exigência dos compromissos assumidos com os países em desenvolvimento, sublinhando a importância de temas como o da transparência e da prestação de contas mútua, alargando ainda o debate às OSC. Foi no processo de preparação do encontro de Acra que surgiu a plataforma BetterAid, constituída por mais de 700 OSC que trabalham em Cooperação para o Desenvolvimento e intervêm no debate da agenda da eficácia da ajuda desde 2007 (como, por exemplo, o Open Forum for Development Effectivness, a Eurodad, a Reality of Aid, entre outras). Trata-se de uma rede destinada a criar uma base de diálogo e de influência política, englobando um vasto conjunto de temas, com vista a aprofundar a Eficácia da Ajuda e do Desenvolvimento. Recentemente, a BetterAid divulgou um documento intitulado “Eficácia do desenvolvimento na cooperação para o desenvolvimento – Uma perspectiva baseada nos direitos”, no qual defende a necessidade de uma mudança fundamental no conceito de Desenvolvimento a nível mundial, já que o modelo actual não tem gerado crescimento nem progresso social.
De acordo com a plataforma, os progressos nos objectivos do desenvolvimento acordados a nível internacional têm sido distribuídos de forma desigual entre países e grupos sociais. O sistema internacional de Cooperação para o Desenvolvimento não pode fazer frente às crescentes necessidades do mundo actual, em que as instituições e os sistemas de governação “demonstram falta de vontade política”. Esta situação parece evidente no progresso desigual registado nos objectivos do desenvolvimento acordados internacionalmente, incluindo os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM) e a implementação efectiva dos compromissos delineados na Declaração de Paris e na Agenda para a Acção de Acra.
Para as OSC é necessário conciliar a implementação da Declaração de Paris com objectivos concretos de Desenvolvimento, baseados nos interesses e direitos das populações mais pobres e marginalizadas. As acções governamentais isoladas – sejam bilaterais ou multilaterais – não reduzem a pobreza, sendo cada vez mais premente uma acção concertada com OSC particularmente sensibilizadas com os interesses e necessidades de grupos excluídos.
De acordo com o documento, a BetterAid “reclama um novo enfoque para a Cooperação para o Desenvolvimento, centrada na Eficácia do Desenvolvimento em vez da Eficácia da Ajuda” (2010: 2) e lança diversas críticas ao modelo actual desde Paris a Acra. Para a BetterAid, existe uma falta de transparência e de intercâmbio sobre os fluxos, as políticas e os projectos de ajuda a nível nacional e internacional que dificultam a prestação de contas do processo de Eficácia da Ajuda. A Declaração de Paris não tem em conta, por exemplo, alguns desafios políticos, económicos e sociais inerentes ao contexto de cada país, correndo-se o risco de os projectos não se adequarem ao contexto e necessidades locais, já que muitas vezes os países doadores não conhecem as realidades dos países receptores de ajuda.
Além disso, os temas da governação – tanto na Declaração de Paris como na Agenda de Acção de Acra – são determinados pelos doadores e têm sido definidos de acordo com critérios do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. De forma a nivelar as relações de poder altamente desiguais entre doadores e países em desenvolvimento, a plataforma considera importante a democratização dos sistemas das instituições financeiras internacionais. Este ponto é particularmente importante dada a influência dessas instituições nas escolhas políticas para os países em desenvolvimento.
As OSC são particularmente sensíveis à questão dos direitos humanos – direitos das mulheres, direitos económicos, sociais e culturais – que a Declaração de Paris menciona de forma pouco aprofundada. Apesar de a AAA ter representado um avanço nesse sentido, as OSC mantêm a crítica devido à contínua falta de compromisso por parte dos países e instituições doadores.
Por fim, nem em Paris nem em Acra foram criados vínculos entre a Ajuda Pública ao Desenvolvimento e outras fontes de financiamento para o Desenvolvimento e a questão de avaliação continua a ser um ponto problemático, já que até à data não foram criados instrumentos independentes para avaliar a execução e o impacto efectivo da implementação dos projectos. De acordo com o relatório da BetterAid, a AAA carece de compromissos novos e avaliáveis sobre a igualdade de género, a anti-corrupção, a participação da sociedade civil entre outros compromissos acordados em Acra e noutros encontros internacionais.
O Desenvolvimento baseado nos direitos e na participação da sociedade civil
Uma das críticas mais recorrentes das OSC é o facto da quantidade não significar qualidade, ou seja, a qualidade da Cooperação para o Desenvolvimento não pode ser avaliada apenas pela quantidade de recursos financeiros e conhecimento técnicos fornecidos aos países em desenvolvimento. Deve aspirar a eliminar as bases estruturais do subdesenvolvimento que fomentam a dependência da ajuda externa.
Nesse sentido, a Eficácia do Desenvolvimento deve compreender mudanças a todos os níveis, desde a governação, ao comércio e mercados financeiros, ao investimento directo estrangeiro e à dívida. “A Eficácia do Desenvolvimento significa transformar a retórica em prática, dando poder às pessoas pobres e adoptando acções que respeitem, protejam e cumpram os padrões internacionais de direitos humanos na Cooperação para o Desenvolvimento” (2010: 3). De acordo com a BetterAid, estes objectivos devem guiar todos os actores do Desenvolvimento nos debates políticos e na definição de legislação e servir de base na planificação, monitorização e consequente avaliação da Ajuda.
Nesse sentido, urge definir uma nova arquitectura de Ajuda que deverá basear-se numa abordagem holística e democrática, inclusiva e com múltiplos grupos de interesse. A Eficácia do Desenvolvimento, baseada nos direitos humanos, promove uma participação inclusiva e uma acção mais democrática em torno da Ajuda e dos processos de Desenvolvimento, reflectindo valores de justiça social, económica e de género, bem como promovendo uma cidadania global.
Porém, as deficiências nas estratégias de Desenvolvimento das últimas décadas e a actual incoerência da arquitectura internacional da Ajuda exigem a definição de um novo rumo, incorporando a coerência, o compromisso e a responsabilidade num sentido mais amplo. Este novo marco, segundo a Better Aid, deve basear-se nos direitos humanos e na igualdade nas relações de poder, integrando todos os elementos da sociedade para garantir a sua apropriação democrática tal como foi definida pela Declaração de Paris. “A capacidade dos diferentes actores (em primeiro lugar, dos governos) para avaliar a urgência e superar as incoerências institucionais será essencial nos próximos meses”, defende o relatório (2010: 10), já que o modelo actual está votado ao fracasso.
Como reconhece a Agenda de Acção de Acra, as OSC – juntamente com o governo, os meios de comunicação social, o sector privado e outros actores – assumem um papel fundamental na mudança social, política e económica para a redução da pobreza e da desigualdade. Desta forma, os signatários do Agenda de Acra comprometeram-se a trabalhar com as OSC para gerar condições mais favoráveis ao desenvolvimento. Contudo, as OSC são “frequentemente marginalizadas e oprimidas pelos governos ou convertidas em instrumentos ao serviço dos doadores internacionais”, aponta o mesmo relatório (2010: 8).
Depois de Paris e Acra, em Dezembro de 2011, Busan (Coreia do Sul) irá acolher o 4.º Fórum de Alto Alto Nível que, de acordo com a BetterAid, será uma oportunidade para promover o debate acerca da Eficácia da Ajuda e do Desenvolvimento. Nesse sentido, a plataforma mantém um diálogo constante com os doadores (governos e organizações multilaterais), os governos dos países em desenvolvimento e outras partes interessadas no processo.
Ana Filipa Oliveira

Referências bibliográficas:
- BetterAid (2010), “Development effectiveness in development cooperation: a rights-based perspective”, disponível em http://www.betteraid.org/en/member-downloads/doc_download/134-developmenteffectivenessindevelopmentcooperation.htm [acedido a 03/12/2010]
- Site Better Aid (www.betteraid.org)

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