domingo, 27 de novembro de 2011

CARTA ABERTA DA PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD SOBRE O FUTURO DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA

A Plataforma Portuguesa das ONGD enviou uma carta aberta ao Primeiro-Ministro, ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, expondo algumas preocupações face ao futuro da ajuda ao desenvolvimento e da Política de Cooperação de Portugal.

Carta Aberta
Suas Excelências,
Exmo. Senhor Primeiro-ministro
Exmo. Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação

Num momento em que a crise internacional domina o nosso quotidiano e em que a reorganização na arquitectura institucional do sector público criou um clima de indefinição e apreensão quanto ao futuro de várias áreas em que a Sociedade Civil tem um papel central, a Plataforma Portuguesa das ONGD, representando 69 Organizações Não Governamentais de Desenvolvimento e assumindo o seu papel enquanto um dos principais interlocutores entre o Estado e a Sociedade Civil, não pode deixar de manifestar as suas preocupações quanto ao futuro das Políticas Públicas nas áreas da Cooperação e da Educação para o Desenvolvimento.

O já longo período de indefinição que vivemos, desde há vários meses, relativamente ao novo modelo organizativo da Cooperação Portuguesa e às orientações estratégicas que serão adoptadas para esta área, tem provocado uma crescente apreensão para todos os que, há muitos anos, trabalham sustentadamente para que Portugal dê um contributo válido e efectivo no esforço global de luta contra a pobreza e um Desenvolvimento Global mais harmonioso, assente numa defesa e promoção por Direitos Humanos que estão muito longe de estar adquiridos em muitos países.

Portugal vive hoje um momento de urgência social que obriga a respostas internas integradas por todos os agentes públicos e da Sociedade Civil. No entanto, é principalmente nestes momentos que não podemos apenas olhar para dentro, ainda para mais quando as raízes desta crise económica e social têm, em muitos casos, origem em factores externos. Hoje em dia, os problemas não são só “nossos” ou só “deles”, são problemas globais que obrigam a respostas globais e integradas.

Por isso, a Cooperação para o Desenvolvimento é um factor essencial para combater a crise mundial. E por isso também, países como Portugal não podem recuar nos compromissos internacionais assumidos relativamente à Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento. Mais do que falarmos na necessidade de canalizar mais verbas para esta área, é necessário abordarmos a vertente qualitativa desta Ajuda.

Falamos em questões como a Harmonização, a Apropriação Democrática, a Transparência e a Previsibilidade. A discussão sobre estes conceitos e a importância da sua aplicação percorreu já um longo caminho, com algumas evoluções muito positivas mas em que sobretudo se nota que só não se conseguiu ir mais longe devido a problemas de decisão política.

Portugal tem percorrido também o seu caminho no sentido de incorporar na sua Política de Cooperação os princípios que referimos. E a presença de uma delegação Portuguesa no IV Fórum de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda, que decorrerá em Busan entre 29 de Novembro e 1 de Dezembro, apresenta-se como uma oportunidade para o Governo Português renovar a sua vontade política face aos compromissos assumidos enquanto país doador.

No entanto, transportando alguns dos princípios da Eficácia da Ajuda para o contexto nacional e europeu, a falta de definição de uma estratégia clara para as áreas da Cooperação e Educação para o Desenvolvimento e a ausência de informação institucional sobre, por exemplo, o futuro das linhas de financiamentos públicos disponíveis para projectos da iniciativa de ONGD, põem desde logo em causa a Transparência necessária e a Previsibilidade das acções. Por outro lado poderá também haver consequências negativas relativamente à Apropriação dos Programas de Cooperação de Portugal por parte dos nossos países parceiros.

Não havendo ainda uma percepção clara dos efeitos da fusão entre o Instituto Camões e o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, a mistura entre a promoção da Língua e a Cooperação contraria os compromissos políticos e princípios subscritos, por exemplo, no quadro da OCDE e União Europeia, quer os que definem a Língua como instrumento de desenvolvimento e não como um fim em si, quer os que se referem ao desligamento da ajuda face a outros interesses nacionais.

Este facto impede também que haja uma clara Harmonização das intervenções com as práticas dos outros países doadores, sobretudo os parceiros europeus.

Neste sentido, se Portugal apresenta neste momento uma imagem interna que parece contrariar os princípios que pretendemos aplicar na Ajuda ao Desenvolvimento, pode pôr-se em causa a boa imagem internacional que conquistámos na área da Cooperação e o nosso empenho em cumprirmos os compromissos internacionais assumidos.

Apelamos pois ao Governo Português que:

- Reforce o compromisso de Portugal em continuar a contribuir para a concretização dos seus programas de Cooperação definidos em conjunto com os Estados parceiros, assegurando os princípios da Harmonização e da Apropriação;
- Reforce os instrumentos de transparência e previsibilidade da sua Ajuda Pública, essenciais para a Eficácia do Desenvolvimento que pretendemos promover;
- Contribua para encontrar formas de envolver os doadores emergentes na agenda da eficácia da ajuda, equacionando medidas que reflictam a nova realidade da cooperação “Sul-Sul” e as dinâmicas decorrentes de uma realidade com países que são simultaneamente doadores e receptores de Ajuda.
- Reforce as parcerias com a Sociedade Civil, indo ao encontro das recomendações do CAD da OCDE e das boas práticas internacionais e incorporando cada vez mais estas organizações nos processos de discussão, definição e implementação das políticas de Cooperação .
 
Lisboa, 25 de Novembro de 2011

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