quinta-feira, 17 de outubro de 2013

RELATÓRIO AID WATCH EUROPEU
LANÇADO HOJE EM BRUXELAS

O papel singular da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) é um dos temas centrais do Relatório Aid Watch Europeu 2013, esta manhã lançado em Bruxelas. O documento alerta que os cortes na APD colocam em causa a luta contra a pobreza a nível global.

A dois anos da meta estabelecida pelas Nações Unidas para a concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, definidos no ano 2000, a evolução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) disponibilizada pela União Europeia (UE) tem marcado passo. O novo relatório Aid Watch da CONCORD – Confederação Europeia de ONG de Ajuda Humanitária e Desenvolvimento, publicado hoje, dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, revela que em 19 dos Estados-membros da EU se verificou uma diminuição ou estagnação dos valores da sua Ajuda ao Desenvolvimento.

Este relatório centra-se na monitorização e avaliação da quantidade e qualidade da APD da UE, concluindo que o défice de financiamento para se alcançarem as metas da ONU corresponde a 36 mil milhões de euros[1]


APD europeia em regressão, apesar do papel essencial assumido pela UE
Segundo os dados referentes a 2012, os 27 países da UE disponibilizaram 50.6 mil milhões de euros – 0.39% do rendimento nacional bruto (RNB) da UE – para a ajuda ao desenvolvimento, uma redução de 4% relativamente aos valores de 2011. A ajuda externa da UE regrediu assim para os níveis mais baixos desde 2007, com as projecções AidWatch a preverem que o total da ajuda permaneça estagnado em cerca de 0.43% do RNB da UE durante os anos de 2013 e 2014.
Wiske Jult, da Plataforma nacional belga 11.11.11, refere que “uma ajuda ao desenvolvimento eficaz é um instrumento essencial na luta global contra a pobreza e os países europeus não podem esquecer o seu papel essencial no âmbito desta luta[2]. Contudo, muitos países, perante a necessidade de efectuarem cortes orçamentais, estão a reduzir na ajuda ao desenvolvimento, apesar de simultaneamente defenderem nas Nações Unidas a necessidade de um desenvolvimento global a nível internacional. Esta dualidade de procedimentos envia uma mensagem errada aos nossos parceiros de desenvolvimento.”

A Evolução da APD de Portugal
Perante a crise internacional e tendo em aplicação um plano de resgate financeiro por parte da Troika, a Ajuda ao Desenvolvimento de Portugal tem obviamente sofrido um decréscimo acentuado. A APD portuguesa ascendeu em 2012 a 472 milhões de euros (0,27% do seu RNB), o que corresponde a uma descida de 13,1% relativamente a 2011. E a descida não é maior porque a APD portuguesa se baseia actualmente sobretudo em empréstimos concessionais concedidos aos nossos parceiros de desenvolvimento, que correspondem ao que se chama de Ajuda ligada, ou seja, ajuda associada à promoção de outros interesses económicos de Portugal.

Como reflectem os dados do Relatório Aid Watch relativos a Portugal, um dos aspectos mais importantes a sublinhar é que este Governo ainda não apresentou a tão necessária revisão do documento estratégico da Cooperação. Num contexto de forte crise, esta definição estratégica é ainda mais essencial para definir claramente prioridades face aos constrangimentos financeiros que enfrentamos. Esta crise, mesmo criando fortes constrangimentos ao trabalho de todas as entidades, públicas, privadas e da sociedade civil, que fazem parte da Cooperação Portuguesa não impede que se continue a consolidar muito do que de bom foi feito nesta área na última década e que se evite um regressão de décadas na evolução da nossa Cooperação para o Desenvolvimento
Pedro Krupenski, Presidente da Direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD refere que: “Não é apenas importante honrar os compromissos assumidos quanto à quantidade de fundos afectos à cooperação. É também e sobretudo importante aplicar de forma transparente e eficaz os fundos disponibilizados para o cumprimento dos objectivos de erradicação da pobreza. Ora, uma ajuda ligada na casa dos 75% significa que os poucos fundos afectos à cooperação portuguesa não chegam às mãos de quem deles precisa mas servem para internacionalizar a economia portuguesa e captar investimento estrangeiro, ambos muito necessários, mas não à custa nem no lugar da cooperação para o desenvolvimento com vista a um mundo mais justo e equitativo, onde a pobreza não tem lugar.”

Países da UE que contrariam a tendência de decréscimo da APD 
Este Relatório mostra também que vários países têm vindo a aumentar substancialmente a sua ajuda externa, com as maiores subidas relativas a registarem-se na Letónia (17%), Luxemburgo (14%), Polónia (14%), Áustria (8%), Lituânia (8%) e Reino Unido (7%).

Os países que já alcançaram a meta dos 0.7% do RNB dirigido para APD (meta definida em 2000 pelas Nações Unidas) são a Dinamarca (0.8%), o Luxemburgo (1%) e a Suécia (0.99%). Em 2013 o Reino Unido irá também juntar-se a este grupo, atingindo 0.7% do seu RNB.


Ajuda inflacionada não chega aos países em desenvolvimento 
Cerca de 5.6 mil milhões de euros da APD da UE corresponde ao que se denomina de ajuda inflacionada, que nunca chegou efectivamente a ser aplicada nos países em desenvolvimento, fazendo com que os valores da ajuda genuína descessem para os 45 mil milhões de euros, ou seja 0.35% do RNB Comunitário. A ajuda inflacionada é aquela que inclui o perdão da dívida, os custos com refugiados, custos com estudantes nos países doadores, os juros dos empréstimos e a ajuda ligada, não correspondendo por isso a uma real transferência de recursos para os países em desenvolvimento e sendo difícil relacioná-la com resultados claros a nível de desenvolvimento.
Para Natalia Alonso, Chefe do Gabinete da UE da Oxfam, “A ajuda genuína tem que alcançar aqueles que mais precisam dela em vez de ser usada para pagar juros da dívida. Servir-se dos compromissos da ajuda para uma política mesquinha significa fazer com que menos crianças vão à escola, que o acesso a cuidados de saúde se vai tornar mais difícil e que milhões de pessoas vão dormir com fome. Os países da UE não devem olhar para as suas promessas como dispensáveis, mais sim como um bom investimento para o futuro.”

[1] Dados completos da qualidade e quantidade da ajuda dos Estados-membros da UE: http://aidwatch.concordeurope.org
[2] 10 razões pelas quais a ajuda é insubstituível: http://aidwatch.concordeurope.org

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